Parto é oracular.
Pra dar a luz, a alma fica nua. Há mesmo de se ter coragem pra se despir até da própria pele, ficar em carne viva, disponível pra se recompor por completo, do útero para as extremidades.
Tudo o que surge no parto é reflexo.
Não é possível esconder, reter ou afastar. Todo estado de si é revelado.
Sentimentos
Energias
Pessoas
Memórias
Medos
Forças
Uma espécie de limpeza para o que há de vir. Ir de encontro radical com quem se está, olhar a própria carne em microscópio.
Abrir fendas derradeiras, se quebrar pra dar espaço para um outro ocupar sua vida.
Não pelo racional, não pela elaboração. A elaboração, se vier (me parece bom que venha), é depois.
O espaço é pro simples e profundo sentir. Permitir-se atravessar emoções e sensações enrijecidas por uma vida e, com isso, desdensificá-las, fluidificá-las, dar passagem. Parto é passagem.
Dar passagem à solidão.
Ao medo do desconhecido.
Ao medo de rachar.
À recusa em morrer.
À recusa em viver.
Ao desfrute.
Ao instinto.
À força animalesca.
Ao amor.
Ao divino.
A dor? Um aspecto entre muitos. Muitos, muitos.
Tem sua vida toda ali. Suas facetas, seus aspectos, você inteira, sem fugir.
Tudo que acontece ao parir revela algo de si. Toda figura que surge (dentro e fora) espelha algo de si.
Parir é oracular.
Desejo que possamos viver parindo, que a vida, assim como o parto, é também ela oracular.
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Escritos de madrugadas de leite.
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