Os dias passam. Livro, seriado, calor. Já não trabalho (enquanto geração de renda) há semanas. Pudemos nos organizar pra fazer assim e agradeço todos os dias pelo privilégio, escolha e planejamento. Cozinho pouco, lavar a louça ficou no passado pré barriga encostando na pia. O corpo pesa, minutos em pé cobram seu preço no fim do dia. Encontrar posição pra deitar é uma saga.
Estar hipopótama não é nada delicado, mas é de uma delicadeza infinita.
Percebo que já não me culpo por "não ter feito nada".
Faço, na pausa, o invisível e inexplicável: minha filha.
Estou fazendo o futuro da humanidade, bem quando precisamos de humanos melhores. Estou doando tudo de mim, - minhas taxas de ferro que o digam! - pra que esse futuro chegue com confiança, alegria, respeito, amor e possa construir uma realidade mais bonita.
O quão diferente isso é do trabalho invisível feito por tantas diariamente? Cozinhar, lavar, passar, varrer. O trabalho de casa, o trabalho de cuidar. Ainda feito majoritariamente por mulheres.
O trabalho invisível do autoconhecimento, de olhar pra si e ir além dos mecanismos destrutivos. Trabalho também ainda feito majoritariamente por mulheres. Energia feminina, do cuidado, dos mistérios, do tempo cíclico.
Por muito tempo, o tempo e energia dedicados ao cuidado e autoconhecimento foram, pra mim, inferiores aos colocados em produzir e gerar renda. Uma lógica do fazer pra fora, fálica, que se relaciona com a energia masculina de produtividade e tempo linear.
Carrego em meu útero uma pessoa com útero. Sinto alegria - e responsabilidade - de transmitir à minha filha desde já a sacralidade do trabalho ainda invisível, fora da economia de mercado, fora do que podemos metrificar. E isso me parece profundamente feminista.
Escolhi essa foto (dentre as muitas feitas pela amiga e artista @helenapcooper ) porque tem algo de ancestral nela. Todas as mulheres de minha ancestralidade - e da sua também - viveram esse fazer invisível. Honro cada ventre-lar, em especial de minhas avós, mãe e irmãs. Não fazia ideia do tanto que viveram!
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