Essa semana recebi um e-mail que levantou um material rico, um compilado de 13 anos de estudo no autoconhecimento e espiritualidade:
Carol,
Eu estou voltando de um mestrado e começando um desafio novo no trabalho. Voltei a mesma empresa mas com um projeto novo e mais responsabilidade. Estou lá há pouco tempo, vivendo altos e baixos naturais do dia a dia.
Uma questão que tem me habitado é: como respeitar minha natureza cíclica enquanto mulher em uma rotina que espera linearidade absoluta?!
Enquanto estudava, sentia que tinha mais liberdade de me escutar e fazer o que precisava no meu ritmo.
Sinto que a realidade agora é bastante diferente.
Obrigada por tanto conteúdo incrível, de coração. Sempre aguardo a news de terça animada.
Bjs
Maira
A pergunta da Maira mexeu bastante comigo nesse momento de vida em que estou, pois a busca de respeitar minha natureza feminina profunda, selvagem, intuitiva e cíclica tem sido uma grande investigação dos últimos meses.
Eu poderia respondê-la de muitas maneiras.
Poderia falar da lógica patriarcal, que não inclui o cíclico e seu poder e de como as organizações em sua maioria obedecem a essa lógica se nem perceber.
Poderia trazer referências como a mandala lunar (uma ferramenta através da qual podemos acompanhar nossos ciclos e aprofundar o conhecimento sobre cada momento de nosso ciclo menstrual).
Poderia sugerir que na lua nova coloque na sua agenda gregoriana um indicativo de que momento de sua própria lua (referência ao ciclo menstrual, novamente) você estará em cada semana para se organizar de acordo com a energia que você está.
Poderia indicar o trabalho de mulheres como Nathália Lima Verde, Bebel Clark, Morena Cardoso e Malu Paes Leme, que trabalham especificamente com a energia feminina e os ciclos.
Tudo isso tem seu lugar e, na minha experiência, é relevante.
Mas sinto que posso ofertar mais riqueza para pessoas de todos os gêneros se eu universalizar a pergunta da Maira dessa maneira: “como posso manifestar fora algo que está fazendo sentido dentro?”.
Todxs nós passamos por esse desejo em algum momento.
Em diferentes fases da vida, encontramos esse intento de viver de uma forma mais assim ou assado e lamentamos não haver espaço para esse desejo se manifestar no mundo externo.
“Quero viver de forma a respeitar meus ciclos, mas é muito difícil fazer isso estando empregada.”
“Quero um trabalho que eu acredite, mas preciso ganhar dinheiro e não há forma de unir os dois.”
“Quero trabalhar com criatividade, mas não tenho nenhuma formação nisso e não vão me aceitar.”
Será que não há mesmo espaço para manifestar seus desejos no mundo?
Você é o mundo. Você carrega o universo dentro e tem poder de criação infinito. Se quer ver algo se mover do lado de fora, experimenta mover dentro primeiro.
Imagino que você possa estar pensando algumas coisas:
“Ai, que papo abraça-árvore! Balela.” Te convido a suspender o julgamento por alguns minutos, até o fim desse texto e se abrir pro que vou trazer agora e ver se isso faz sentido pra você.
ou
“Já ouvi isso mil vezes, tô movendo dentro e não tô vendo resultado.” Nesse caso, fica comigo que vou destrinchar algumas coisas que podem ser novas pra você!
Vejo cinco pilares importantes na manifestação de mudanças fora de nós:
1. PENSAR POSITIVO
A mais batida. Todo mundo fala isso. “O Segredo” estourou em 2006 e desde então o papo “tudo que você pensa você atrai” foi pra boca do povo. “Decida o que quer. Acredite que pode tê-lo. Acredite que o merece e acredite que é possível!” Sim, esse é um passo importante. A Maira pode dizer diariamente para si mesma algo como ““Eu sei como respeitar meu ciclo e minha natureza feminina enquanto trabalho. É possível trabalhar e respeitar meu ciclo interno. Eu sei como fazer isso com leveza e sabedoria.”
Criar uma frase curta, positiva e no presente que reflita seu desejo é um passo importante, mas não adianta só pensar positivo.
2. MOTIVAÇÃO VIRTUOSA
Qual é sua real motivação ao desejar viver mais de acordo com seus ciclos? Ou querer um trabalho que regenera a vida na Terra? Sim, acredito que há uma parte virtuosa nesse desejo. Mas será que há também uma parte menos bonita, que talvez queira o status, o reconhecimento, o ser melhor do que o outro ou a outra? Será que no fundo o que você quer é pedir demissão e está buscando uma justificativa para o que seu ser pede?
Precisamos assumir nossas motivações. As lindas e as menos lindas. Sem falar a verdade para nós mesmxs, a criação de realidade fica enviesada e insuficiente, assim como a sinceridade interna.
3. SENTIR PURIFICADO
Quando você entra em contato com o desejo de fazer mais dinheiro, ou de ter um trabalho mais alinhado a seus valores, ou de ter um relacionamento estável, ou de servir através da criatividade, quais os sentirem que te habitam? Sim, eu sei. Você fica animadx, entusiasmadx e feliz. Lógico, se não não desejaria isso, né? Aqui, novamente, é importante ouvir não só a voz do que consideramos belo, como também os sentimentos menos agradáveis.
Eu, quando entro em contato com o desejo de viver mais de acordo com meus ciclos e com o feminino profundo, sinto ao mesmo tempo leveza e medo de perder o controle. Escuto também uma voz interna que diz “a energia feminina é cheia de mimimi, não vai te levar onde você quer”. Na minha distorção, sinto preguiça da natureza feminina.
O medo e a preguiça me dizem que há uma parte minha que não deseja isso.
Não estou inteiramente comprometida com esse desejo, ainda há resistência interna. E é natural, somos seres complexos, paradoxais, com muitas partes dentro.
O passo de tirar esse sentimento de baixo do tapete vai dissolvendo seu poder. O inconsciente move muito de nossa vida. Pelas estimativas de especialistas de de quatro grandes universidades (Oxford, Montreal, Columbia e Londres), a pedido da emissora inglesa BBC, a consciência ocupa no máximo 5% do cérebro. Todo o resto, 95%, é o reino do inconsciente. 95% da mente mandando e desmandando em nossa vida. O trabalho de tirar material do inconsciente e trazer para a luz da consciência é um ponto chave na manifestação da realidade.
4. AGIR PROPOSITIVO
Tenho falado bastante sobre diminuir o espaço do querer. Enquanto estamos querendo, não estamos transformando de fato. De nada adianta mover o mundo interno sem dar passos consistentes e elegantes no mundo externo. Quais ações acupunturais a favor da Vida você já pode fazer? Se não dá pra mudar a lógica patriarcal de hoje pra amanhã (bem que a gente queria…), será que dá para conversar sobre a natureza cíclica com uma mulher dentro da organização? Ou reunir um grupo de amigas para trocar inquietações e boas práticas? Ou observar seu ciclo menstrual e separar um tempo nos finais de semana para se mover de acordo com o que ele pede a cada nova lua?
O que é possível fazer hoje que represente um SIM para o que você deseja? Como você pode sustentar esses SIMs com constância?
5. OBSERVAR COM ABERTURA
Você alinhou pensamento, motivação, emoção e ação. E agora? A gente imagina que isso ou aquilo vai acontecer, mas no fundo não sabemos como a coisa vai se desenrolar. A vida é imprevisível e nos guarda surpresas. Ficamos tão fixadxs nas respostas e aberturas de caminhos desejados que perdemos os presentes impensáveis que a Vida nos trás. É importante estar atento às diferentes linhas que vão se desenhando e confiar na imprevisibilidade. Em outras palavras, é sobre ter fé.
Antes de me encantar pelo meu marido já o conhecia há muitos anos e nós dois estávamos solteiros juntos pela primeira vez. A gente se aproximou com a motivação consciente de nos apoiarmos a conhecermos pessoas legais e achávamos que o melhor naquele momento era sair da bolha. Não é que acabamos “embolhando” geral e nos apaixonando um pelo outro?
A Maíra pode ficar fixada em respeitar sua natureza cíclica de uma forma específica, nesse trabalho específico. E, enquanto isso, a vida pode trazer outras maneiras dela viver seu feminino.
Maira e todxs que lêem, espero que esse esmiuçar tenha sido valioso! Mesmo acreditando e vivendo transformações na minha a vida a partir dessa perspectiva que destrinchei, acho pertinente visibilizar que é necessário reconhecer que há diferentes contextos.
Seria irresponsável da minha parte desconsiderar que cada um de nós vive em um contexto específico, em realidades sociais diferentes, que facilitam ou dificultam a manifestação de esse ou aquele desejo. Não me parece sensato num país socioeconomicamente desigual como o Brasil esperar que a responsabilização individual seja a única resposta para a transformar a própria vida. Não é culpabilizando o indivíduo por sua falta de pensamento positivo ou persistência que vamos apoiá-lo a mudar. Pelo contrário. Cuidemos para que a alienação e os interesses do que entendemos como poder não se apropriem do discurso de autoconhecimento para a manutenção das coisas como são.
Maira, essa foi minha contribuição para sua questão! Espero que tenha te apoiado e também a todxs que lêem e se identificam com suas questões.
Eu sigo aberta a receber as perguntas vivas por aí. Se você tem uma questão e gostaria da minha visão, me conta aqui, que pode ser que eu responda nas próximas semanas.
Comments