Não tenho dado as caras aqui, nem em qualquer outro lugar que não seja cru e real. Não tenho estado muito presente em lugar nenhum que não seja o território de nós 3.
Não sei como habitar a vida, que eu morri. Enquanto minha filha saía de mim, eu saudei a morte e adentrei o limbo entre os mundos de quem fui e de quem estou vindo a ser.
Parir é o maior ato que conheço de materializar o espírito. Tirar dos sonhos e trazer pra carne. Há de se fazer as pazes com a densidade pra isso.
Parir e puerperar são atos densos e esticados no tempo. O parto não acaba quando neném sai. Tem quase 7 meses que ela está do lado de fora e eu sigo percebendo nuances novas daqueles 4 dias em que vivi o processo que começou com contrações e (não) terminou com a saída da placenta.
Eu morri sem data pra renascer. E estou vendo beleza nisso porque posso. Tenho ene privilégios que possibilitam que eu me teça com respeito ao tempo mãe-bebê.
É cruel pedir que uma mulher volte à vida externa com prazo definido.
Desse útero que vivenciou seu pleno poder, novas criações hão de surgir. Ainda estão embaçadas pela névoa do arrombo psíquico do parto-puerpério, pela privação de sono e por não ser mais o centro da minha própria vida(...). São raras as tarefas que consigo terminar sem ser interrompida. Ainda parece irreal a ideia de que vou conseguir voltar a criar para além de nós.
- pauso agora esse texto, que ela acordou e chegou meu turno nos cuidados -
[retomo no bloco de notas do celular enquanto ela brinca sozinha]
Não sei quem estou me tornando. Tem sido mais fácil não me render ao tempo acelerado e à necessidade de ter o que dizer por medo de desaparecer. A real é: desapareci também pra mim. E até que saiba onde vou ressurgir me valho do tempo puerperal que suspende o mundo externo para criar duas humanas: ela e eu.
Chorou. Fui sem revisar.
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