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O normal ainda não morreu.

Os dias passam estranhos. O tempo já não é mais o mesmo. Será que algo no mundo ainda é o mesmo? O ineditismo de cada dia permanece, agora estampado em cada parede.


A vida está escancaradamente inédita.


De onde vejo, estamos numa bifurcação. No princípio desse processo, me vi correndo em disparada em uma das direções, num desespero por respostas, uma busca desenfreada por garantias de que iríamos chegar lá.


Cada um tem seu lá, pode ser a volta da normalidade normótica ou uma realidade mais bonita, justa, saudável, cuidadosa.


Me dei conta de que estava repetindo um padrão e parei.

Afinal, que "lá" quero criar?

Será que já é possível saber? Já dá pra ter respostas?


Qualquer passo que eu dê agora é uma busca de recuperar uma dança frenética de passos repetitivos.


Passei nos primeiros dias pela recusa em pausar, maquiada de urgência em responder, em criar o novo, em aproveitar o momento para garantir que agora a gente ia mudar o estado das coisas.


Pensei em assuntos pra lives, em novos projetos, em lançar aquilo no que me dediquei nos últimos meses, trazendo uma nova roupagem. Mas cada tentativa de passo imbuia em si o desejo de ressucitar o que pedia pra morrer. Tudo foi pra prateleira. Agora me cabe o vazio.


Querer ir pra um lugar qualquer sem antes pausar e tomar um tempo de descriação me parece uma pressa por resolver. E a pressa acaba por recriar as estruturas antigas, que suplicam para virar escombros.


Pressa.

Urgência.

Garantias.

Estar certa (e o outro, errado).

Ganhar.


Tudo isso perpetua uma lógica anti-vida: a de ter poder sobre a natureza, mercantilizar tudo que é vivo, se desconectar dos valores mais essenciais.


Estamos, como diz Charles Eisenstein, no espaço entre histórias. Aquele momento em que a velha história sobre o que é real está desmoronando, as antigas formas de viver e se sustentar já não fazem mais sentido.


Estamos vendo de nossas janelas: o real é ilusório.

Nosso desenho de vida não é o único possível.

As nuvens vão aos poucos se dissipando e parece que estamos vendo o céu azul pela primeira vez.


Essa força que nos leva pra dentro de nossas casas e famílias está quebrando irreparavelmente a velha história. Quebrando, não dissolvendo.


O normal ainda não morreu.

Depende de nós ter coragem de permitir sua morte.

Você tem coragem de morrer para o velho?


É tempo de se esvaziar, de desapegar desse estado, de desfazer a lógica em ruínas dentro. Radicalmente.


Me parece que isso demanda pausa, tempo, sabedoria, conexão.


Mesmo que você esteja enganchado no antigo - todos estamos. Ainda somos (em maior ou menor grau) regidos por um sistema econômico anti-vida. E sim, talvez nesse momento você precise seguir fazendo a roda girar para garantir o sustento de sua família. Assim é com a grande maioria hoje.


Resultado de anos de crença coletiva em uma lógica míope.


Ainda assim, você pode tirar momentos de pausa descriativa, se desintoxicar de tanta notícia que alimenta a guerra e ir, num tempo orgânico e não linear, ir destecendo o velho e criando o novo de dentro pra fora.


Nós alimentamos o sistema vigente.

Por isso, precisamos nos responsabilizar por descriá-lo.


De onde sinto, o sistema vivo Terra está se protegendo de nossos impactos. E, ao mesmo tempo, seres humanos tem um potencial regenerativo enorme se agem em conexão com a Vida.


Escuto um chamado pra criação radicalmente alinhada.

Sem desaprender o velho não há o novo. Há o velho menos ruim.


E se os problemas óbvios forem só sintomas de uma questão mais profunda? É necessário ir mais fundo, pra não mexer só no sintoma, mas na questão raiz.


A crise é uma oportunidade pra parar de sustentar. Ao recusarmos o convite que essa crise nos traz e fazermos de tudo para que ela não afete todo o resto, desperdiçamos uma oportunidade de um rito de iniciação planetária rumo a uma vida realmente bonita.


É tempo de descriar.


Esse é um chamado absoluto pra olharmos pra nossas práticas, produtos e serviços e nos perguntarmos, com auto-honestidade radical:


> Onde sigo sustentando a mercantilização da vida?

> Que mundo estou criando com minha forma de vida?

> O que estamos criando agora com nossas formas de responder à crise?

> Como podemos ser mais regenerativos?


Vamos pra dentro, que de lá surge imensidão. Eu sinto e sei, temos tudo que precisamos para ir desse momento para o próximo com beleza.


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