Há tempos em que não me reconheço.
O agora é um deles.
Como assim não escrevi pra vocês na 3a feira, como faço disciplinadamente há 11 meses?
É que eu corporifiquei que parte da minha disciplina era vício em fazer. Como estou em processo de desintoxicação, tô reaprendendo a ser comprometida sem perder a espontaneidade.
Estou me reentendendo nos meus próprios tempos. Eu estava presa na pressa, que afasta qualquer possibilidade de conexão. É a conexão que legitima a realização. Sem ela, nenhum fazer preenche. É fazer atrás de fazer. Subnutrida de realização, achava que seria o próximo fazer que me alimentaria. Xô pressa, não sou tua presa.
Agora, liberta, tô testando os limites da calma e do compromisso, abrindo espaço para uma criação que nasce da conexão, observando os "tem-quês", colada nos "possos".
A calma é um reflexo da confiança. Confio que serei cuidada ao soltar a pressa. E assim tem sido. Na calma, tenho recebido muitas pérolas.
Hoje partilharei uma delas com vocês. A pérola do sonho e seus recursos.
Para mim, o sonho não é algo só meu, só pessoal. Não me conecto com a ideia de "meu sonho". O sonho é uma visão que recebemos e não algo que inventamos sozinhos. O sonho tem existência própria e nos é concedido para que possamos cooperar com um mundo mais bonito. O sonho é um chamado, uma visão daquilo que quer nascer.
Nós somos convocados a sermos as doulas e doulos do sonho que recebemos - e do mundo bonito que está nascendo (mesmo que pareça que não, lembre-se do ditado africano: "É mais fácil ouvir o som da floresta caindo do que das árvores crescendo.").
Enquanto eu acreditei que o sonho era meu, colocava os recursos existentes como limitadores do sonhar. Em outras palavras, o que eu acreditava que era minha capacidade de manifestação era colocada na frente da minha disponibilidade de sonhar. Estava limitando o sonho por um desejo genuíno de ser capaz de realizá-lo. "Se for muito grande, não vou dar conta de realizar, melhor nem sonhar tão alto."
Só que com isso eu estava limitando também meu serviço ao mundo, reduzindo minha potência e me distanciando da criação.
Quando o sonho é genuinamente recebido e consequentemente está a serviço do Todo, junto com ele vêm os recursos necessários para realizá-lo. É como um combo: sonho+recursos. Tanto os recursos internos - força, persistência, calma, inteligência racional e emocional, intuição, energia - quanto os externos.
Então, não é respeitoso com a Vida colocar os limitantes antes do sonho.
Quando o sonho chega, há algumas perguntas a serem feitas:
> A serviço de quê estou sonhando? Do meu pequeno ego ou do bem maior?
> Quem em mim está sonhando? A parte que se acha separada do Todo ou a que reconhece que é o Todo?
Precisamos de sensibilidade para distinguir as vozes dentro.
Sem invisibilizar privilégios, acredito que o combo sonhos+recursos vem para todos, todas e todes. O que percebo que acontece é que a persistência e a fé são mais necessárias para uns do que para outros, pois sim, a mata está bem mais fechada para alguns. E que sim, com frequência, o que Tererai Trent chama de pequena fome (das necessidades de subsistência) acaba tomando espaço da grande fome (de significado e serviço).
Essa mulher - Tererai Trent - é um banho de persistência. Vou contar um pouquinhozinho de sua jornada. Nascida em uma aldeia sem água corrente ou luz elétrica no Zimbabue, aos 11 anos, proibida de ir a escola por ser mulher, aprendeu a ler sozinha com os livros do irmão.
Aos 18 anos com 3 filhos e um marido que a agredia, recebeu um sonho: estudar na América, prontamente apoiado por sua mãe, que trouxe a sabedoria que ela incluisse em seus sonhos o compromisso com a melhoria da comunidade que vivia. Dizia que isso daria mais força a seus sonhos. Indo na direção oposta a todas as mulheres da sua ancestralidade e de sua aldeia, demorou 7 anos para que se mudasse para os Estados Unidos para estudar, 12 para finalizar o mestrado e 18 até o término do doutorado.
Em 2009, Tererai criou uma instituição que assegura educação de qualidade As milhares de crianças da sua aldeia e arredores. Foi ao programa de Oprah, que doou US$1,5 milhões de dólares que a sua fundação entregaria à Save the Children, para reconstruir a escola primária da aldeia de Tererai.
Separe o lenço de papel e veja aqui o TED de Tererai Trent.
A história de Tererai me ensina tanto, em tantas camadas.
A que tenho vontade de trazer agora é sobre persistência. A partir do alinhamento com o sonho, nasce uma força grandiosa. Charles Eisenstein diz que "quanto mais profundo for o nosso serviço àquilo que deseja nascer, mais ele conseguirá organizar os encontros de sincronicidade e eventos fortuitos que nos permitirão realizar aquilo que está além de nossa compreensão de causa e efeito" ( O Mundo Mais Bonito Nossos Corações Sabem ser Possível). Contudo, não necessariamente esses recursos vão surgir no tempo em que nossas mentes desejam. Por vezes, precisamos trilhar um caminho interno de amadurecimento para termos a musculatura necessária de sustentar o sonho. Para isso, precisamos de persistência. Caminhamos em comunhão com o sonho recebido, dando passos elegantes e constantes em sua direção, com atenção ao que se apresenta, colhendo os frutos do caminho.
Por vezes, temos sonhos megalomaníacos a serviço de nosso próprio pequeno ego. Ou
temos pressa para realizar algo que é um chamado de Vida, que pode levar uma vida toda para ser construído.
Confiemos, amigues! Confiemos na Vida.
Eu desejo que possamos abrir espaço para receber os sonhos que nos cabem, conexão para sustentá-los, maturidade, sabedoria, persistência e paciência para realizá-los.
Aproveito para agradecer pelo final de semana utópico na companhia de mulheres mágicas, sob a guiança da irmã Nathália Lima Verde e sua Concha. Trago minha profunda admiração e gratidão por ela e por todas os seres que correm o risco de ofertarem suas mais sagradas e essenciais medicinas. Vocês renovam minha esperança na existência.
Com amor,
Carol
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